terça-feira, 13 de abril de 2010

Nalgum Lugar (E. E. Cummings) Performance Zeca Baleiro

Nalgum lugar em que eu nunca estive
Alegremente além
De qualquer experiência
Teus olhos tem o seu silêncio
No teu gesto mais frágil
Há coisas que me encerram
Ou que eu não ouso tocar
Porque estão demasiado perto
Teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
Embora eu tenha me fechado como dedos
Nalgum lugar

Me abres sempre pétala por pétala
como a primavera abre
Tocando sutilmente, misteriosamente
A sua primeira rosa
Sua primeira rosa

Ou se quiseres me ver fechado
Eu e minha vida
Nos fecharemos belamente, de repente
Assim como o coração desta flor imagina
A neve cuidadosamente descendo em toda a parte
Nada que eu possa perceber neste universo
Iguala o poder de tua intensa fragilidade
Cuja textura
Compele-me com a cor de seus continentes
Restituindo a morte e o sempre
Cada vez que respirar

Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre
Só uma parte de mim compreende
Que a voz dos teus olhos
É mais profunda que todas as rosas
Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas

domingo, 11 de abril de 2010

OS DIAS DE AGORA (MM)

Meu bem querer é imenso e intenso,
Pleno
Viver momentos contigo
É um presente

Fica bom assim... Olhar-te, pegar no colo e te fazer dormir
Vigiar teus sonos
Afastar teus pesadelos
Acolher-te

Fica bom assim... te ouvir, mergulhar no teu olhar
Mostrar tua luz
Detonar teus medos
Acolher teu sorriso

Fica bom assim... Poder deitar no teu colo e sentir teu abraço
Sentir a proteção de tuas asas e a adrenalina da vida expressa no teu jeito de ser
Fica bom assim... Quando o calor do afeto soltar as amarras e abraçar a gente

Fica bom assim... Amadurecemos, nos gostamos
E o que sabemos um do outro
Traduz o suficiente para caminhar e voar
Gosto dos dias de agora.

domingo, 8 de novembro de 2009

Para a musa inspiradora MM que escreveu: Décadas se tornam minutos, quando a amizade existe (Hermann de Oliveira)

Basta um olhar,
um tato, um belisco leve,
o sorriso de brevidade lúdica,
e a brasa reacende...

Temos o poder de criar
rios de solidão,
oceanos de separação,
atmosferas de sofreguidão.

Mas podemos, sobretudo,
quando o amor incandesce,
desfrutar da eternidade
no minuto fortuito de um abraço.

Hermann (29.10.2009)

domingo, 27 de setembro de 2009

Esta vida é uma viagem (Paulo Leminski)

Esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem

Paulo Leminski - Seleção -Fred Góes e Alvaro Martins.
Ed. Global; p201-6a. ed.2002
http://pauloleminskipoemas.blogspot.com/

domingo, 20 de setembro de 2009

O exílio do Imaginário (Roland Barthes)


(A paixão amorosa é um delírio; mas o delírio não é estranho; todo mundo fala dele, ele fica então domesticado. O que é enigmático é a perda de delírio: se entra em quê?)

No luto real, é a "prova de realidade" que me mostra que o objeto amado não existe mais. No luto amoroso o. objeto não está nem morto, nem distante. Sou eu quem decido que a suaimagem deve morrer (e ele talvez nem saberá disso).
Durante todo o tempo de duração desse estranho luto, terei que suportar duas infelicidades contrarias: sofrer com a presença do outro (continuando a me ferir á sua revelia) e ficar triste com a sua morte (pelo menos tal como eu o amava).
Assim me angustio (velho hábito) por causa de um telefone que não toca, mas ao mesmo tempo devo me dizer que esse silêncio é de qualquer jeito inconsequente, porque decidi elaborar o luto dessa preocupação: é a imagem amorosa que deve me telefonar; desaparecida essa imagem, o telefone, toque ou não, retoma sua existência fútil.
(O ponto mais sensível desse luto não será que devo perder uma linguagem - a linguagem amorosa? Acabaram os "Eu te amo".)

Quanto mais eu fracasso no luto da imagem, mais fico angustiado; mas, quanto mais eu o consigo, mais me entristeço. Se o exílio do Imaginário é o caminho necessário para a "cura", convenhamos que o progresso é triste.
Essa tristeza não é uma melancolia - ou pelo menos é uma melancolia completa (de forma alguma clínica), pois não me acuso de nada e não fico prostrado.
Minha tristeza pertence a essa faixa de melancolia onde a perda do ser amado fica abstrata. Falta redobrada: não posso nem mesmo investir minha infelicidade, como no tempo em que eu sofria por estar apaixonado.
Nesse tempo, eu desejava, eu sonhava, eu lutava; diante de mim havia um bem, apenas retardado, atravessado por contratempos. Agora, não há mais repercussão; tudo está calmo e é pior. Embora justificado por uma economia — a imagem morre para que eu viva — o luto amoroso temsempre um resto: uma palavra volta sem parar: "Que pena!"

Prova de amor: te sacrifico meu Imaginário — como se dedicava o corte de uma cabeleira. Assim talvez (pelo menos é o que dizem) terei acesso ao "verdadeiro amor".
Se há alguma semelhança entre a crise amorosa e a cura analítica, elaboro então o luto de quem eu amo, como o paciente elabora o luto do seu analista: liquido minha transferência, e parece que, assim, a cura e a crise terminam.
Entretanto, como já foi dito, essa teoria esquece que o analista também deve elaborar o luto do seu paciente (sem o que a análise corre o risco de não terminar nunca); do mesmo modo, o ser amado — se eu lhe sacrifico um Imaginário que estava entretanto grudado nele -, o ser amado deve entrar na melancolia de sua própria decadência. É preciso prever e assumir essa melancolia do outro ao mesmo tempo do meu próprio luto, e sofro, pois ainda o amo.

O ato verdadeiro do luto não é sofrer a perda do objeto amado; é constatar um dia o aparecimento de uma manchinha na pele da relação, sintoma de morte certa: pela primeira vez faço mal a quem amo, sem querer é claro, mas sem me desesperar.

Tento me soltar do Imaginário amoroso: mas o Imaginário queima por baixo, como um fogo mal apagado; cria brasa novamente; ressurge aquilo a que se renunciou; um longo grito irrompe bruscamente do túmulo mal fechado.

Era como se eu quisesse abraçar pela última vez, até a loucura, alguém que fosse morrer — para quem eu fosse morrer: eu procedia a uma recusa de separação.


Texto parcial do Texto O exílio do Imaginário de Roland Barthes (Fragmentos de um Discurso Amoroso)