segunda-feira, 27 de julho de 2009

Blues & Sousa

Vou botar minha cabeça
Em alguma linha solitária
Da estrada de ferro
Tomara que o trem das duas e dezenove
Acalme minha mente.
(Blues da Estrada de Ferro)

Largos Silêncios interpretativos.
(Cruz e Sousa, Silêncios)

Fonte: Paulo Leminski in Vida, Ed. Salina, 1990.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Quimio (Hermann de Oliveira)

Décadas se tornam minutos, quando a amizade existe e apreensões podem ser compartilhadas.
E assim foi reencontrar Hermann, um amigo querido e poder compartilhar meu esforço em separar a cabeça do corpo ou seja não permitir que esse transbordar de emoções, sustos , dores que estou vivendo agora com um familiar querido, me deixem doente.
Obrigada Hermann pelo poema:

Quimio

Separei do corpo a cabeça
Levitei pelo espaço de chumbo
Decantei minhas vestes no sangue
E esperei a manhã me chegar
Vi estrelas caindo ao redor
Pude ser uma delas no éter
Vi a lágrima presa ao suor
Consegui arrebatar o tempo
Meu sorriso voou, emudeceu
Minha pele retesou de ternura
Minhas cálidas mãos se abrasaram
Sobre o fogo que nunca se apaga
Quando o dia obscuro se foi
Pude ver o nada no espelho
E sobre os vagalhões da Armação
Fui mais uma batera a flutuar

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O amor é bicho instruído (Carlos Drummond de Andrade)

Amor é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro
O amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

http://kavorka.wordpress.com/2007/08/09/amor-bicho-instrudo/
http://cseabra.utopia.com.br/poesia/poesias/0020.html

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Medicina - Ciência e Arte (MM)


Um amigo, artista , um escultor que através da arte, mantém a madeira viva, pediu para falar sobre o meu trabalho...

Falar sobre meu trabalho sem anestesia é um desafio, mas se resultar em encantamento minha alma transbordará, haja vista a chamada arte da medicina, estar distante da arte na concepção da beleza e alegria.

Mas é possível falar da arte de realizá-la, sem perder a doçura (o que é não é uma tarefa fácil). Às vezes, a aparente frieza é apenas uma armadura para nos protegermos da dor, na tentativa de nos tornarmos imunes frente ao sofrimento do SER HUMANO INTEIRO.

No dia a dia o contato com a dor e o sofrimento pode nos levar a criar um padrão de vermos apenas a enfermidade, o que pode provocar ao final do dia tristeza e uma sensação de impotência, de algo inacabado.

Mas há também o lado dos valores, da aprendizagem e do crescimento interno, quando olhamos o paciente no seu contexto universal, mudamos nossos valores. Tudo isso produz em alguns de nós uma estranheza quando estamos com grupos de amigos que ainda não experienciaram a dor bem de perto, ou não se envolveram.

Certa vez um aluno (hoje um grande amigo, Kennedy) me presenteou com um quadro e uma bela carta onde ele relatava que muito tinha aprendido comigo sobre o ser humano que SENTE e não apenas a respeito da enfermidade.

Esses momentos da vida, tão grandiosos, que retornam como feedback, nos completam como seres humanos e são fundamentais para não nos desviarmos de nossa rota e vermos que ainda temos salvação frente a miséria do mundo.

Gosto muito do que faço, mas surpreenda-se: tornei-me uma médica e professora MELHOR quando iniciei uma pesquisa junto aos professores das ciências exatas. A medicina muitas vezes se move em caixinhas engessadas dentro do que se chama diagnóstico correto, patognomônico entre outros.

Quando iniciei nesta pesquisa reaprendi o conceito “N”, e minha visão se ampliou...
Então reaprendi a importância do todo e da verdadeira arte da medicina: somam-se os sintomas e sinais clínicos (e quando necessário bioquímicos e de imagem etc e tal) + história familiar + o que a pessoa sente interna e externamente + o que eu sinto + evidências científicas e dai temos a probabilidade diagnóstica, aonde (o paciente com toda sua história familiar, ascendência + seus anseios + seu meio + seus medos + sua família e eu) vamos a busca de aliviar O SENTIR do paciente.

Afinal, não acredito que o médico, sozinho, com sua competência técnica e tecnológica possua o domínio total da cura e retomada da saúde. Ele pode sim evitar a morte em dado momento, porque a saúde, a cura no sentido amplo é algo bem superior a postergar a morte, cicatrizar uma ferida ou eliminar a dor.

A cura, a recuperação da saúde quem realiza é o médico em parceria com seu paciente + sua família + seus amigos + seu ambiente, tendo como suporte afeto, envolvimento, competência, evidências e meios.

Ser médico é se colocar no lugar do paciente, encantá-lo para beleza da vida e ajudá-lo a realizar o tratamento para então se obter a cura do corpo e da alma= SAÚDE.

O nome desse processo é ADESÃO AO TRATAMENTO!

ADESÃO AO TRATAMENTO (envolvimento + amor + resposta positiva) é a palavra-chave do ENCANTAMENTO E CURA = SAÚDE.

Acredito que todas as pessoas que cruzam nosso caminho nos ensinam e vice-versa. Os pacientes, os alunos, os médicos, os amigos têm me ensinado e reavivado a importância de gestos de atenção, pela forma com que se envolvem no seu trabalho somado a seriedade e atenção que dispensam as pessoas que compartilham de sua terapêutica e ensino/aprendizagem.

É isso: amar é a capacidade de ver o outro em mil dimensões, que é como somos construidos.

Afinal somos circulares, o mundo é circular, o projeto da vida é circular, para nos movermos, mudarmos, sermos flexíveis e criativos.

Tenho uma profunda admiração ao artista Escher e uso suas criações em minhas aulas para mostrar o raciocínio clínico. A flexibilidade, a afetividade, a ausência de preconceitos, a fé, o otimismo, e a atuação baseada nas probabilidades são ferramentas importantes para impedir que rotulemos as pessoas sob nossos cuidados e passamos a tratar dessas pessoas como um projeto único da natureza, com respostas individuais.

A vida é muito mais bela se olhada em “N” dimensões.

Gosto de despertar no aluno e em mim mesma as perguntas. Sempre gostei muito mais das perguntas do que das respostas, porque as perguntas são menos perecíveis que as respostas que normalmente se encerram em um ponto final...já as perguntas?

Isso porque elas se renovam frente às respostas, as mudanças que ocorrem ao nosso redor, a forma como olhamos à medida que amadurecemos interna e externamente.

A impermanência cria novas perguntas. E a beleza está ai: as respostas mudam, mudam, em função das perguntas. Ainda bem!

Perco a noção do tempo quando se trata de falar sobre o que amo. Há um trabalho recente, cosntruido junto ao grupo que trabalho, ainda em refinamento, onde usamos a modelagem matemática (teorema de bayes e lógica fuzzy) , para expressar raciocínio médico sobre fatores de risco para as doenças crônicas com o objetivo de dar um suporte ao raciocínio médico ao mesmo tempo que ser um facilitador no processo de ensino/aprendizagem.

Se você,que está lendo esse meu relato, quiser olhar:
http://lea.inf.ufsc.br/horus/

E ainda: se você tiver interesse nas criações de Escher
http://www.mcescher.com/

Um forte abraço
MM